LIVE NIRVANA INTERVIEW ARCHIVE January ??, 1993 - Seattle, WA, US

Interviewer(s)
Flávia Sekles
Interviewee(s)
Krist Novoselic
Publisher Title Transcript
Veja Ganhamos Na Loteria Yes (Português)
…A Cada dois anos, um novo grupo-sensação toma conta do rock. Foi assim nos últimos tempos, com o R.E.M. e, depois, com os Guns N'Roses. Agora, é a vez do trio Nirvana, que chega esta semana ao Brasil para uma apresentação no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, no festival Hollywood Rock. Formado por Chris Novoselic (baixo), Kurt Cobain (guitarra) e Dave Grohl (bateria), o Nirvana é o expoente máximo do chamado "som de Seattle", movimento surgido naquela cidade do noroeste dos Estados Unidos e que devolveu às paradas de sucesso o legítimo rock barulhento e visceral. Além de transformar Seattle na capital do rock de hoje, o Nirvana colaborou também para levar às passarelas chiques de Paris a moda grunge, uma nostalgia do hippismo em que pontificam as camisetas e bermudas xadrezes, os sapatos pesadoes e as camisetas com estampa de rock. "É a roupa que usamos a vida inteira", alega Novoselic. Com seu rock vanguardista e sua moda retrô, o Nirvana é hoje o grupo mais popular da música pop, com 8 milhoes de discos vendidos - 100 000 no Brasil - de seu segundo LP, Nevermind. Chris Novoselic, 26 anos e mais de 2 metros de altura, fundou o Nirvana em 1987 juntamente com o Kurt Cobain, seu ex-colega de escola. Cumpriram o inevitável circuito de clubes alternativos e, no ano seguinte, gravaram sem grandes pretensoes, o LP Bleach, que custou apenas 700 dólares, lançado por uma microgravadora de Seattle. O sucesso foi tão grande que a poderosa Geffen Records tratou de contratá-los, forrando os bolsos do grupo com 750 000 dólares. Como a maioria dos seus antecessores, os músicos do Nirvana ganham rios de dinheiro, mas gostam de fingir que não ligam para o sucesso. Fazem questao de manter a posede grupo alternativo. Fora dos palcos, costumam se engajar em campanhas políticas nos Estados Unidos. Na semana passada, em Seattle, arrumando as malas para vir ao Brasil, Chris Novoselic deu a seguinte entrevista a VEJA.
Às vésperas de tocar no Brasil, o baixista do Nirvana garante que nao esperava tanto sucesso e diz que 80% do seu público é formado por idiotas
VEJA: Como serão os show do NIRVANA no Brasil?
Novoselic: Simples, como todos os outros. Nós nao fazemos exatamente shows, mas apresentacoes. Nosso aparato de palco se resume a algumas luzes. Não falamos muito entre as músicas. Simplesmente tocamos rock 'n' roll. Temos uma das caravanas mais baratas da indústria musical. Carregamos apenas nossos instrumentos e em nossa equipe de produção há apenas sete pessoas. O máximo de extravagancia que permitimos atualmente é ter alguém para afinar os instrumentos.
VEJA: Vocês ainda estraçalham os instrumentos ao fim do show?
Novoselic: Sim. Eu não aguento mais fazer isso, porque já se tornou banalporque. O Kurt Cobain e o David Grohl, ainda gosta de fazer, acham divertido.
VEJA: Você conhece alguma coisa de música brasileira?
Novoselic: Nada. Mas estou interessado em ouvir alguns grupos de rock brasileiro durante a turnê. Dizem que são bons.
VEJA: Quando o NIRVANA começou a despontar no rock, vocês diziam não querer se transformar em megaestrelas. O sucesso incomoda?
Novoselic: Nós começamos a tocar por prazer, e não visando a uma carreira meteórica. ATé agora não sei exatamente como o sucesso aconteceu. Não entendo, e prefiro nem pensar nisso. Quando ligo a televisão e vejo nosso videoclip tocando pela enésima vez, ou quando ando pela rua e as pessoas apontam para mim, francamente me sinto anestesiado.
VEJA: O dinheiro do sucesso não é bom?
Novoselic: É ótimo, não vou negar. Não sou um indio ou um sabio antimaterialista. Mas é como se eu tivesse ganho na loteria.
VEJA: Porque essa pose antiestrelato?
Novoselic: Hoje convivo bem melhor com a idéia de ser um astro do que há dois anos. No inicio de 1991, estávamos indignado com os Estados Unidos. Os americanos davam apoio total às tropas no Golfo Pérsico. Todo mundo agia como se tivesse uma lavagem cerebral. Paraceia que eu estava morando na Alemanha nazista. Detestava tudo isso. Um ano depois, nosso disco estava em primeiro lugar nas paradas, e tive que me conformar com o fato de ser aceito pelo sistema, por exatamente tudo aquilo que mais detestava. Na semana passada, aqui no Estado de Washington, um homem foi executado na forca. Assisti a tudo na televisao. Fora da prisao havia alguns manifestantes contra a pena de morte, mas a grande maioria celebrando a execução com bandeiras. O criminoso merecia morrer, ele era um monstro, mas devíamos ter um pouco mais de dignidade, uma atitude mais respeitosa diante de sua tragedia e da tragedia de suas vitimas.
VEJA: O que isso tem a ver com o sucesso do Nirvana?
Novoselic: São esses mesmos idiotas que estavam celebrando o enforcamento, os mesmos que apoiaram cegamente a Operação Tempestade no Deserto, que compram os discos do Nirvana. Nós nao queremos que eles cantem nossas musicas. Eu tenho certeza que o Q.I. das pessoas que celebraram a execução é muito menor do que o daqueles que protestaram ou tiveram a dignidade de ficar quietos. Eu acredito que mais de 80% da população do mundo inteiro não faz a minima ideia sobre o que está acontecendo em volta de si. Basta olhar ao redor para perceber que por todos os lados há guerras, escandalos, corrupcao. No Brasil, o presidente acaba de sofrer um impeachment por ser um criminoso e isso deve ser apenas a pontinha do iceberg. O mesmo ocorre nos Estados Unidos.
VEJA: Porque vocês continuam produzindo os discos para um público que consideram formado por 80% de idiotas?
Novoselic: Somos sarcásticos e cínicos com eles na nossa musica. É o nosso mecanismo de autodefesa. Por outro lado, estou faturando o dinheiro deles, não estou? Do machão que bate na sua esposa ou força sua namorada a ter sexo com ele, ou das garotas materialistas sem nada na cabeça. Eles me dão seu dinheiro e eu até já comprei uma casa com isso.
VEJA: Porque o NIRVANA alcançou tanta popularidade?
Novoselic: Somos parte de um ciclo que ocorre tempos a tempos, no qual os grupos underground atingem o grande público e permanecem na crista da onda por algum tempo, até que outra onda de música underground aparece. O underground é uma toca e quando um grupo sai dela e vende milhões de discos jamais pode voltar atrás.
VEJA: O que o grande público descobriu na música do NIRVANA?
Novoselic: Descobriu que nao somos uma armacao, uma banda pré-fabricada. Kurt, nosso guitarrista, compões músicas porque sente que tem de compô-las. É parte da dele, não é algo forçado. Isso traz espontaneidade ao trabalho. Há muitos integrantes de grupos de rock que fazem um esforço descomunal para compor - seu trabalho acaba sendo mediocre. Por isso há tantas musicas e grupos ruins por aí.
VEJA: Essa mesma espontaneidade determina o êxito dos shows?
Novoselic: Depende. Há shows bons e outros ruins. Eu sei quando um show vai ser bom antes de entrar no palco. Sinto uma certa ansiedade, uma excitação interna. Há outras vezes em que eu estou no palco e nao dou a minima para o que estou prestes a fazer. Pode haver 30 000 pessoas lá me esperando, e eu me sinto com se estivesse entrando no meu banheiro.
VEJA: O NIRVANA faz shows ruins com freqüencia?
Novoselic: Faz. Nosso recente show na Argentina foi um horror. Acontece.
VEJA: Como o NIRVANA e outros grupos de Seattle se tornaram os mais recentes inovadores do Rock?
Novoselic: O rock estava muito empastelado. Todos os grupos pareciam idênticos. Motley Crew, Skid Row, Poison - todos cultivam a mesma receita medíocre e sem qualquer tempero. Não posso explicar o fenômeno de Seattle, ou porque nessa cidade deveriam nascer grupos bons, mas há uma série deles por aqui, grupos que tocam bem, que cresceram ouvindo punk rock, colecionando discos, grupos realmente interessados no que estava acontecendo aos seu redor e incorporando o que havia de melhor. São grupos que tocam pela música, que detestam as grandes gravadoras, não escutam rádio porque não há nada de bom nele.
VEJA: Com o sucesso do "som de Seattle", esses grupos continuam a cultivar essa atitude marginal?
Novoselic: Bem, a verdade é que, agora, a maior parte deles está pegando carona no trem da moda grunge e correndo atrás de uma grande gravadora.
VEJA: Como surgiu a moda grunge?
Novoselic: Ela aconteceu. O Kurt Cobain sempre usou camisas de flanela, porque eram as únicas que ele tinha, provavelmente porque sua mãe as comprava para ele. Seattle fica numa região fria, cheia de florestas, e as pessoas usam roupas de flanela porque são práticas. Os sapatos, essas botas grandalhonas, també são próprias para o clima - aqui chove muito. Mas eu acho que essa mania do look grunge é ridícula. Agora, a maior parte dos integrante dos grupos de Seattle usa barba - eu usava barba quando começamos, mas nunca pensei que isso fosse se tornar moda. No último ano e meio usei cabelos compridos, mas antes disso eles sempre foram curtos. Outro dia eu fui a um clube noturno e eu vi um cara com short xadrez cortado logo abaixo do joelho, sapatos grandalhões, camiseta com estampa de rock'n'roll, casaco de coupro preto, cabelo preto comprido e barba goatie - aquela apenas ao redor da boca. Ele era o protótipo do grunge, e eu fiquei pensando: como ele devia ser há um ano atrás?
VEJA: O Rock de hoje é melhor que o de décadas passadas?
Novoselic: Vejo paralelos entre a música alternativa de hoje e a que surgiu nos anos 60 em San Francisco, quando apareceu uma série de bons grupos, como Jefferson Airplane, The Greatful Dead e The Doors. Todos esses grupos foram assimilados pelo grande público. O que me preocupa é que todo o idealismo do rock dos anos 60 se evaporou, e seus adeptos se tornaram os eleitores de Ronal Reagan, com seus automóveis BMW. Por enquanto o idealismo dos grupos de grunge rock ainda nao foi aniquilado pela sociedade.
VEJA: Que idealismo é esse?
Novoselic: Nós estamos muito ligados ao que acontece ao nosso redor. Não que as letras das nossas músicas sejam políticas, mas elas procuram chamar a atenção sobre o que há de errado com o comportamento da juventude de hoje, que é apática.
VEJA: O NIRVANA é um grupo engajado?
Novoselic: Nós participamos da campanha Rock The Vote, da MTV, cuja função era fazer com que os jovens votassem nas últimas eleições presidenciais. Participamos de outras campanhas, uma delas para derrotar um movimento em Washington que queria proibir discos e letras considerados obscenos, outra para derrubar um projeto que tornaria o ilegal o homossexualismo no Estaddo de Oregon. O projeto foi derrotado, mas por uma margem muito pequena. Tenho medo de pensar em como estamos ficando exclusivistas nesse país.
VEJA: O que você acha do Rap e das posições radicais desse gênero?
Novoselic: Uma porcaria. Ice T fez uma música pregando o assassinato de policiais, mas se alguém assaltasse sua casa ou roubasse seu carro, ele seria o primeiro a ligar para a polícia. Os rappers estão passando por uma péssima fase., só pregam o materialismo, a violência, o sexismo. Eles não têm nenhuma idéia de como uma sociedade sem controle, como a Bosnia ou a Somália, pode ser caótica.
VEJA: O Ex-Beatle Paul McCartney diz que os grupos de Rock de hoje não se preocupam com a arte e só pensam em ganhar dinheiro. O que acha dessa opinião?
Novoselic: Há muito de verdade nisso, embora haja bons grupos. Se você gosta de música, e quer descobrir o que há de novo, não pode ir a qualquer lojinha de discos e pegar o que há de mais popular. Tem que cavoucar o que há de desconhecido, como PJ Harvey, Mudhoney, Sonic Youth. Deve entrar numa loja de discos com o mesmo espírito e com o tempo disponível de quem entra numa biblioteca procurando um bom autor que ainda não conhece.
VEJA: O que acha das grandes estrelas música Pop de hoje, como Madonna, Michael Jackson e Prince?
Novoselic: Eu gostava de Madonna, hoje acho-a detestável. É uma pessoa totalmente falsa, que passa o tempo procurando o que há de bom na cultura underground para explorar. Ela descobre Robert Maplethorpe e outros livros de fotografia, e resolve fazer seu próprio livro, SEX. Achei o livro uma porcaria, não me excitou nem um pouco. Suas músicas recentes nada têm de original. Gosto de Prince, ele compôs algumas boas músicas, mas não estou muito ligado nele agora. Quanto ao Michael Jackson, gosto de seu trabalho do tempo do grupo Jackson 5. Hoje o respeito por dar muito dinheiro para obras de caridades, mas sua música não toca na minha vitrola. Ela é totalmente comercial.
VEJA: E na área do Rock, o que acha dos Guns N'Roses?
Novoselic: Eu os detesto. No início, gostava de algumas músicas, mas Axl Rose tem uma boca tão grande e tantos problemas que faz questão de expressar publicamente, que estou cheio dele. Seus problemas são todos pessoais, sem qualquer substância. Ele não tem qualquer consciência social. O sexo, as drogas, e o rock não são mais símbolos de contestação. É só ir a qualquer escola nos Estados Unido para notar como todas as crianças entre 10 e 13 anos já estão envolvidas com sexo, drogas e rock. Ao usar esses temas como bandeira, o Axl Rose prova apenas que é um cabeça de titica.
VEJA: Como vê a questão das drogas?
Novoselic: As drogas deixaram de ser uma bandeira de inconformismo para se tornar parte da sociedade. O presidente eleito Bill Clinton diz que fumou, mas não tragou. Al Gore diz que fumou. O problema das drogas é que as pessoas não tem responsabilidade suficiente para usá-las. Sou totalmente contra algumas drogas, como a heroína. Não há nada bom nela. Outras, como as anfetaminas, a cocaína e a maconha, deveriam ser legalizadas. Se isso acontecesse, a criminalidade diminuiria. A Guerra contra as drogas, nos Estados Unidos, é um ataque contra nossos direitos civis. As pessoas precisam ser reponsáveis por suas próprias ações.
VEJA: Os integrantes do NIRVANA usam drogas?
Novoselic: Eu fumo maconha e tomo bebidas alcóolicas. Não posso responder pelos outros.
VEJA: Você bebe muito?
Novoselic: É provável que sim. Gosto de ficar bêbado, é divertido. Mas estou tentando moderar a bebida.
VEJA: Você acredita que algum grupo de rock atual dure trinta anos, a exemplo dos Rolling Stones?
Novoselic: Espero que não. Para começar, os Rolling Stones na verdade não duram há trinta anos. eles morreram em meados da década de 70, depois do Lp Some Girls, e passaram a cuspir discos a cada três ou quatro anos, nos intervalos de suas longas temporadas de férias nas Bahamas. Mas mesmo assim, eles são um fenômeno que dificilmente se repetirá. Pessoalmente, não imagino estar fazendo a mesma coisa daqui a trinta anos. É o mesmo que trabalhar numa fábrica por esse período. Se Deus quiser até lá serei um astronauta ou qualquer outra coisa.
VEJA: Mas atuar durante três décadas num grupo de rock deve ser mais divertido do que trabalhar numa fábrica.
Novoselic: Pode ser, mas veja o que aconteceu com os Rolling Stones e com o The Who. Eles se tornaram inconseqüentes, uma piada. Fizeram ótimos trabalhos em seu tempo, mas é necessário saber dar um basta. Os Irmãos Marx pararam em tempo. Se os Beatles tivessem continuado como conjunto, hoje não teria o mesmo prestígio.
© Flávia Sekles, 1993