LIVE NIRVANA INTERVIEW ARCHIVE January 16, 1993 - São Paulo, BR

Interviewer(s)
André Forastieri
Interviewee(s)
Kurt Cobain
Publisher Title Transcript
Bizz Messias Indeciso Yes (Português)

As origins miseráveis e as angústias milionárias de Kurt Cobain, por André Forastieri.

E le é o homem, o líder da banda- marco dos anos 90, eleita pelos leitores desta revista como a revelação de 92. Foi o Nirvana que botou o punk nas paradas e detonou uma revolução na cena musical mundial e bla-bla-blá.

Não parece isso tudo não. Kurt Cobain é baixinho, amarelo, mirrado - e está de ressaca. Estamos no restaurante improvisado no Morumbí para o Hollywood Rock. Presentes seguranças gigantescos, gente de gravadora, uma moçada da MTV (Zeca Camargo, Daniel Benevides), mais Chrís Novoselic e Dave Grohl dando uma entrevista ao Fábio Massari. E, claro, Courtney Love do Hole, que não desgruda do maridão. Essa é a moça que tomava heroína nos canos quando estava grávida, segundo uma repórter da revista Vanity Fair.

Nada posso declarar, nem perguntar a respeito - nem para botar os pingos nos ís. Cobaín escolheu a BIZZ para sua única exclusiva no Brasil, mas impôs uma condição: não entrarmos em sua vida pessoal. É chato e obscurantista, mas pessoalmente estou pouco me fodendo se sua vida conjugal tem problemas (qual não tem?) ou se ele toma drogas (quem não toma?). Já estou suficientemente chagado de, pela primeira vez, estar entrevistando um astro do rock'n'roll mais novo que eu…

Eu queria saber como é que você entrou nessa de fazer música.

Bom, comecei a ouvir música quando tinha tipo uns nove anos. Adorava os Beatles, acabei tendo todos os discos deles. Depois teve um período de curtir mais hard rock, Aerosmith, Led Zeppelin, Rolling Stones.

Mas minha maior influência mesmo foi punk rock e new wave. Era o que eu escutava quando comecei a tocar, lá pelos catorze anos. Sex Pistols, The Clash, Devo, B-52's, Black Flag, Scratch Acid. Aos dezesseis anos fui expulso de casa pela minha mãe - e acabei indo morar com o primeiro baixista do Nirvana.

O punk mudou tudo. A visão de você mesmo fazer as coisas, de fazer o que quiser independente das corporações, do dinheiro ou das modas do momento, era muito forte.

Pelo jeito você continua invocado com as grandes empresas. Fez questão de aparecer na capa da Rolling Stone com aquela camiseta, escrito "Corporate Magazines Still Suck" ("Revistas 'corporativas', publicadas por grandes empresas, continuam sendo uma merda").

Veja bem, não quis que aquilo fosse considerado uma atitude nobre, um gesto de rebeldia ou algo assim. Foi mais uma brincadeira…

Eu trabalho para urna revista corporatíva e entendo perfeitarnente o que você quis dizer. As vezes é uma merda mesmo.

Bom, então por que você continua?

Porque bem ou mal conseguimos dar um toque para muita gente sobre grandes bandas e artistas, daqui e de fora. Depois, fazer fanzine não paga minhas contas…

Bem, no meu caso, foi só uma piada com o logo do selo independente SST (corporate rock still sucks). Mas fiz questão de aparecer com aquela camiseta. O fotógrafo pediu para eu tirar pelo menos algumas fotos sem a camiseta, mas me neguei.

Muita gente nos criticou, dizendo que nos vendemos por aparecer na capa de uma revista tão comercial. tão mainstream… mas nós somos mainstream! Vendemos para caralho, fizemos sucesso! Agora, fiz questão de aparecer com aquela camiseta para deixar claro o que penso, que não é porque a Rolling Stone bota uma banda legal na capa que ela se torna uma revista legal.

Mas esses que nos criticaram, conheço bem os tipos. São os caras que ficam sentados sem fazer picas, sem realizar nada, sem ser músico ou jornalista ou qualquer coisa verdadeira, produtiva.

Com a bronca que você tem de grandes corporações, por que você não abre um selo próprio?

Já pensei muito nisto, é uma coisa que ainda pode acontecer no futuro. Agora não dá, temos muito o que fazer… shows, discos - sem querer dar uma de gostoso, são coisas que dão um trabalho inacreditável. Depois, não sou contador, não entendo nada de negócios. Me preocupo muito com este lado - que adianta montar um selo e depois não conseguir pagar as bandas direito? Muita gente tentou e não deu em nada.

Que bandas você contrataria para um selo que você montasse?

Tenho uma idéia absurda sobre isso. Imagine que legal seria gravar o som do pessoal que toca na rua, nas esquinas. Tanto músicos quanto desabrigados que fazem um som. Minha idéia seria ir até lá, gravar o som, tirar uma foto e depois fazer o disco e botar a foto na capa.

Deve ser lindo poder escolher entre montar um negócio próprio ou não…

Muita gente acha que ficamos milionários, que ganhamos milhões de dólares. Imagina. Quer dizer. depende das suas prioridades. Para mim, a prioridade número um é nunca mais ter que trabalhar num emprego. E poder sustentar minha família. minha mulher e minha filha, dar segurança para elas. Está cheio de popstar por ai que ganhou muito dinheiro e acabou falido. Não vou ser um desses caras. Além disso, andei dando muito dinheiro para algumas causas, pesquisa de Aids, apoio a pessoas estupradas e tal.

Ter iates ou casas ou coisas assim não faz parte do meu repertório. Passei anos fazendo bicos, como zelador e coisas assim. Vivi durante anos com uns duzentos dólares por mês, então não estou acostumado a pensar em comprar coisas. Hoje entro num shopping, não tenho vontade de comprar nada, só discos. Mas eu sempre dei um jeito de comprar discos, ou gravar.

Falando em discos, vocês andam fazendo uma campanha de contrainformação. Cada hora dizem que terão um produtor diferente. 

Começamos a gravar o disco novo em março e já fechamos com o produtor. Será mesmo Steve Albini e já temos algumas coisas para gravar.

Você conhece o cara de onde? 

Ainda não o conheci pessoalmente, só falei com ele pelo telefone. Pareceu legal. E os trabalhos dele são excelentes.

Boataria: andam dizendo que o disco pode ter números acústicos. Você está amolecendo com a paternidade?

Não, não deve ser acústico. Talvez tenha alguma coisa… mas será um disco bem rock'n'roll. Pouca distorção, mais ênfase nas canções. Bem mais próximo de Incesticide que de Nevermind.

Gostei muito de "New Wave Polly".

É como eu estava dizendo, esse é o período do rocle que eu mais gosto, punk e new wave. Tentamos compor músicas desse tipo o tempo todo. Mas não conseguimos, aquela bateria reta e rapidinha, é difícil demais.

Existe uma previsão para o lançamento do disco?

Mais ou menos. Deve ser na metade do ano. Nesse meio tempo, tenho várias coisas para fazer- a principal é produzir o disco dos Melvins.

Vocês vão excursionar de novo este ano?

Sim, mas não agüento mais tocar nesses lugares gigantescos. Chegar, tocar e ir embora da cidade. Porra, nós viajamos pelo mundo todo nesse último ano e eu não conheci nada. Nossa próxima turnê, depois do lançamento do disco, será por lugares bem menores, clubes e não arenas. Assim fazemos dois ou três shows por cidade e temos tempo para conhecer as pessoas. os lugares. E os shows saem muito melhores.

O problema é que no Brasil, quando vem uma banda grande, é sempre para tocar nestes estádios. E é a única chance da moçada ver vocês…

Eu sei. Nós vamos fazer o melhor que pudermos.

É que para muita gente, inclusive a moçada daqui, vocês passaram a representar um novo estilo de vida, uma alternativa não só musical. Você pode não confiar nos veículos que transmitem essa imagem, mas tem que lidar com isso…

Quero aproveitar para falar de uma revista, foi um crime o que ela fez.

A Veja…

É. Crís (Novoselic) nunca, nunca, nunca diria que "80% do nosso público é idiota". Nem fodendo!

É verdade que a maioria das pessoas, a média das pessoas está afundada na apatia e na ignorância. Mas o nosso público… a maioria são apenas garotos curtindo rocle e muitos deles entendem o que estamos tentando passar. Nosso público tende a ser exatamente o contrário do tipo apático. É o problema da mídia. A grande mídia sempre erra… sempre. Não adianta você falar A, eles irão entender B! É um nível completamente diverso… eles simplesmente não conseguem entender do que estamos falando. Por isso é que estamos deixando de falar com a grande mídia, ou pelo menos regulando com as nossas entrevistas.

Falamos com fanzines livremente, sempre que nos procuram, porque são pessoas que pensam como nós. vêm do mesmo lugar de onde viemos, entendem o que dizemos. A grande mídia só nos fode, não vale a pena perder tempo.

Você não acha que é um pouco severo com a ignorância e a alienação das pessoas? Quer dizer, não existem razões para a maioria da nossa geração - e da nova geração - ser um bando de patetas? Ninguém vira um panaca de graça.

Olha, tem muita informação rolando por aí. Se você se interessar e quiser saber o que está acontecendo no mundo. basta correr atrás que vai conseguir. Eu era assim, sempre tentando saber mais. sempre procurando. E sinto que muitos dos nossos fãs são assim também.

© André Forastieri, 1993